A imagem e a poesia

A imagem e a poesia, partilham afinidades. São plurisignificantes. O que se vê, o que se lê, parece estar fixado no objecto ou na palavra, mas o seu sentido, a sua irreverência, o seu alcance está para lá do visível, dissemina-se, cola-se à pele de quem observa, de quem lê, como o incenso que se liberta até se entranhar e não ser mais reconhecido pelo olfacto como tal. Por isso quando vemos e quando lemos, nunca vemos ou lemos todos o mesmo. A poesia, em particular, é subversiva: quebra regras, dispõe-se num lugar entre o presente, o passado e o futuro, numa alteridade que pode ser o território próprio do humano e, regressa à pele, num arrepio, num espanto ou numa epifania. A imagem, tal como a busco, encontra na poesia um alicerce de construção que, pode ser e também é, reconstrução e desconstrução. Nesse território poético, o outro, o destinatário, é parte das imagens que crio e que partilho. A sua função de receptor catalisa, numa outra dimensão que eu não vejo nem controlo, o sentido e o significado que ele próprio atribui à imagem, criando outra imagem à sua semelhança, carregada da sua experiência, embebida no seu unguento visceral. Quantas imagens uma imagem pode ter?

Sedimentos, 13 de Março de 2021, Carla de Sousa