“Tu que me lês tens a certeza que compreendes a minha linguagem?”

Jorge Luís Borges

Se esta página fosse a primeira de um livro, aqui se acomodaria o seu preâmbulo, o prefácio. Uma antecâmara do quarto exposto pela porta entreaberta ao que aqui me decidi a reunir, compilar, organizar e mostrar. O exercício a que me propus não me conduz, por isso, a uma apresentação formal, de quem sou. É, antes de mais, uma reflexão eminentemente pessoal, do que a fotografia me tem proporcionado descobrir, ver, ser.

A fotografia faz-me falar na primeira pessoa. Entrou no meu quotidiano, como lugar de terapia e de equilíbrio. A realidade, mediada por uma câmara, não é subtraída nem diminuída. Quero-a enriquecida, pela luz, pelos detalhes e pelo toque. O que busco, não é uma reprodução do real. Persigo, na imagem, a melhor tradução do meu mundo interior, invisível, mas, ainda assim, palpável. Do espaço vazio, faço corpo e, do corpo, intimidade.

Sei-me incompleta. Sei-me, sempre, aprendiz. Escrevo a tinta permanente. Todavia, sonho a giz. O que vai ficando é uma espécie de cartografia, um mapa, um meio de orientação, uma representação do espaço, íntimo e poético, delimitado por territórios, constantes ou passageiros e, condicionado por arrepios de pele, sensações e palavras que ecoam do lado de dentro e se transfiguram noutra linguagem: a da imagem. Aqui chegada, construo poemas, metáforas, aforismos, anáforas e do silêncio faço grito, sussurro ou beijo cálido. Um mundo, paralelo, em (des)construção. Um mundo, sempre, em revolução. Um lugar à espera do outro. Um ponto de partida, de chegada. Um vazio, uma parte do nada. Um retorno, uma memória, um adorno ou uma história. A verdade, essa, busco-a, com Lacan, nas “malhas da ficção”.

2021, um ser que posso ser eu, Carla de Sousa