Reflexões, num mundo pouco reflexivo
da fuga à superficialidade do olhar
Escrevo este texto depois de um fim de semana intenso de partilhas inspiradoras de construção de narrativas em torno da fotografia e escrevo-o para partilhar convosco o desafio que é, para mim, desde há uns anos a esta parte, falar e expor o meu trabalho fotográfico.
Através dele falo de mim, não falando, por que o que faço na fotografia, é um sentir feminino partilhado por muitas das mulheres que me rodeiam, não é só de mim que falo. Dou assim corpo de imagens a todas as mulheres casa, mulheres mães, mulheres meninas, mulheres amor, mulheres disrupção, mulheres coragem, mulheres natureza, mulheres dor, mulheres livro, mulheres caminho, mulheres refúgio, mulheres viagem…
Somos livres, dizem-nos, de ser quem somos. Mas, seremos mesmo livres?
Fotografo a minha pele, o meu corpo, a minha natureza com a liberdade que conquistei e que me possibilitou descobrir e aceitar quem sou, mas sei que o que faço, muitas vezes é visto não pelo olhar profundo que esse exercício libertário representa, mas pelo crivo superficial de um certo voyeurismo. Daí que me seja tão precioso conceder contexto e pensamento, reflexão e intenção quando apresento o meu trabalho, para que este não fique sequestrado nessa superficialidade.
Ao meu trabalho é frequente atribuírem o epíteto “corajoso”. E longe de mim, aqui, retirar o significado dessa palavra – coragem – que, de certo modo o enobrece, mas questiono: seria considerado corajoso se em vez do meu corpo, utilizasse o de uma outra mulher? A resposta, para mim, é negativa. O que torna o meu trabalho singular é precisamente ser simultaneamente reflexo e espelho. A coragem, digo-vos, porém, não está no corpo de trabalho, mas antes em mostrá-lo, falar dele, sujeitá-lo à crítica, técnica e de estilo, sabendo que muitas vezes não se vai alcançar um lugar para além da superficialidade e continuar a fazê-lo, por se achar que se pode, com ele, mudar a perspectiva de alguém, enriquecê-la, abrir caminhos não percorridos e mostrar camadas que se escondem para além do óbvio. E disso chegam-me, nestes momentos de partilha e comunicação, vários testemunhos que atestam e me confirmam ser preciso continuar a fazê-lo, por esta ou outras formas, talvez. Para que um dia, todas as mulheres possam falar, sentir e fruir do seu corpo sem culpa ou censura. E sejamos, de facto, e quanto a isso, livres.
Leiria, 27 de Novembro de 2023, após um fim de semana de apresentações no IX Imaginature – Festival de Fotografia de Paisagem, em Manteigas.